sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Tu estás aqui


Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui


Ruy Belo

Os Contemporâneos que se ponham a pau!

Entrevista de Cândida Almeida à Grande Entrevista da RTP


No Comments

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Para atravessar contigo o deserto do mundo


Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento


Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Vingt-et-dix



Those whom the gods love grow young.


Oscar Wilde




*Parabéns! Até já!

domingo, 25 de janeiro de 2009

Arrepios

Segui a ligação, por preguiça de abrir o leitor e ouvir o "meu" álbum. Autogénese da pena e na voz da Natália Correia, no álbum Amália&Vinicius, tem sempre o condão de me apaixonar, de seduzir, de me arrepiar – como de resto muitos dos poemas de uns, e dos fados da outra. Tem também, sabe Deus porquê, o condão de me lembrar de ti (como se eu precisasse de desculpas para me lembrar de ti, como se fosse possível não me lembrar de ti, como se tu não andasses sempre do coração para a cabeça da cabeça para o coração, incessantemente). Nas músicas relacionadas dez arrepios, em crescendo:


  1. Beatriz, por Maria João e Mário Laginha;

  2. Ok, Do You Want Something Simple, dos The Gift;

  3. Gaivota, pelo Carlos do Carmo;

  4. Linger (live acoustic), The Cranberries;

  5. E daí, Gal Costa;

  6. Tatuagens, Mafalda Veiga;

  7. Sometimes it Hurt, Tindersticks;

  8. Pagan Poetry, Björk.

  9. Santa María (del Buen Ayre), Gotan Project & Yann Tiersen;

  10. Hung Up, Madonna.

Uma (nossa) possível banda sonora! Incrível, verdadeiramente incrível! Arrepios, arrepios e mais arrepios...



P.S. Obrigado P. por esta viagem às catacumbas do coração!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A una vela ardiendo


Vela que en golfos de esplendor navegas
por candores lucidos extendida,
hasta desvanecer, desvanecida,
y ciega por lucir, hasta que ciegas;
si serena luz hay, presto te anegas;
si corre tenpestad vas sumergida;
huyes con breve soplo de tu vida
y con serena calma a tu fin llegas.
Tan sin memoria viene tu occidente,
que aun de leves cenizas breve copia,
noticia no dará de lo luciente.
Humo será a tu fin, pira no impropia;
dejarás sombra en todo, y solamente
no dejarás la sombra de ti propia.

Francisco de La Torre Sevil

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Obamania MMXI

É que o homem praticamente ainda nem aqueceu o lugar e já estou deserto de o ver pelas costas. Não há pachorra para ouvir mais falar em Obama! Irra que é demais! Parece aqueles anúncios irritantes a margarinas ou detergentes que nos invadem o cérebro e nos obrigam a andar com eles na cabeça o dia inteiro…

Mas estará tudo doido? Alguém me explica qual a razoabilidade da transmissão (bem alargada) pelas televisões portuguesas da tomada de posse de um chefe de estado estrangeiro? (quem dizer, eu até percebo bem a questão psicanalítica subjacente: como aqui o burgo é a tristeza que se sabe, deliramos que nem "índios" a olhar as contas de vidro colorido quando algo acontece no 1º Mundo…) Alguém me explica porque é que os tontinhos do Quénia acham que o Presidente dos Estados Unidos da América (que provavelmente nem sabe bem onde eles ficam no mapa apesar de já lá ter ido, ao que parece) há-de fazer correr rios de mel, enquanto eles, eles que lá estão, em vez de o fazerem, divertem-se a limpar etnicamente o próximo? E alguém me explica porque é que o Sr. há-de ser o salvador do mundo, quando tudo o que sabemos que ele quer fazer ao mundo é bombardear o Afeganistão, (agora, ao que parece) continuar o esforço militar no Iraque e matar o Bin-Laden (nunca lhe ouvi a palavra simples e democrata "julgar"…)? É que, segundo julgo saber, tudo isto era o sintoma do "mal" a abater na Casa Branca… Coerências!

Volta Bush, estás perdoado! (bem é só uma força de expressão! Cruzes!) Ao menos com o tontinho anterior podíamos todos rir um bocado com os disparates e as gafes deliciosas. Agora este é todo engomadinho, arranjadinho, certinho, sequinho, sizudinho, baaaaaaaahhhhhhhhh, um horror! Que irritação! Prevejo (pelo menos) 4 anos de aborrecimento e muuuuiiitttoooo chazinho de tília para mim!



P.S Apenas me resta uma esperança: que ele seja o que eu espero. Que ele seja o que disse ser durante a campanha e ninguém ouviu, entretidos que andavam a lançar-lhe hossanas. E aí, muito me hei-de rir com os sapos que muita gente vai engolir, com as vociferações contra o "grande Satã" do capitalismo (e outros disparates que tais), com os sapatinhos que vão chover, com as fotografias queimadas e afins. Mas isso será a minha alegria. E muito me hei-de rir! Ah pois hei-de! Ámen!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Te extraño

Te extraño
Como se extraño las noches sin estrellas
Como se extrañan las mañanas bellas
No estar contigo, por dios que me hace daño

Te extraño
Cuando camino, cuando lloro, cuando río
Cuando el sol brilla, cuando hace mucho frío
Porque te siento como algo muy mío

Te extraño
Como los arboles extrañan el otoño
En esas noches que no concilio el sueño
No te imaginas amor, como te extraño.

Te extraño en cada paso que siento solitario
Cada momento que estoy viviendo a diario
Estoy muriendo amor porque te extraño

Te extraño
Cuando la aurora comienza a dar colores
Con tus virtudes, con todos tus errores
Por lo que quieras no se, pero te extraño
Te extraño, te extraño.

Armando Manzanero


08. Te Extraño -Diego El Cigala-.mp3 -

domingo, 18 de janeiro de 2009

Caldas

Chegado a casa, cansado por uma viagem nocturna debaixo de chuva, mas maravilhado com a beleza e o cheiro a sargaço da "concha" de São Martinho do Porto (bem, para além do belo do Pão-de-Ló de Alfeizerão, que isto de estar ali pertinho justifica o desvio para a gulodice), algumas breves reflexões sobre o XXIII Congresso do CDS/PP, ou sobre mim e a política à portuguesa:



1. Alguns anos após a filiação continuo a achar que faz(fez) sentido: acredito que, em democracia, é nossa obrigação participarmos civicamente onde melhor nos (re)vemos;



2. Continuo a achar que aqui se encontra um belo esboço de programa de governo, e por isso, enquanto aqui se mantiver, também aqui comigo contará;



3. Depois de ser um feroz anti-portista (ainda e apenas como simpatizante e não militante) é engraçado verificar como fiz um caminho pró-portista. É hoje, de longe e de perto, o político português mais venenosamente inteligente e brilhante, o que mais admiro (um dos únicos…), o mais maquiavélico no sentido mais político do termo. E isso, em política, parece-me incontornável. Os que criticam o maquiavelismo das duas uma: ou nunca o leram, ou leram e acreditam em utopias. Graças a Deus fui poupado às duas! Como há tempos ouvi ao Jaime Nogueira Pinto, o maquiavelismo é incontornável não como projecto político (que não o é), mas sim como descrição da política (exactamente como ela é, sem paninhos quentes, sem invenções ou crenças) – a realidade tout court, ou seja, as coisas como elas são.



4. Depois de já alguns anitos disto, continuo sem a mínima pachorra para o ver e ser visto. E para as intervenções sobre o sexo dos anjos. E para a típica intervenção "eu já estive no Congresso do Palácio de Cristal"… Aborreço-me de morte!



5. Assim sendo, por aqui continuarei, até achar que devo, enquanto ainda tiver uma réstia de esperança de que este país tenha emenda/futuro. Quando isso desaparecer (se acontecer) cá estarei para tirar as devidas consequências.



P.S. Foi referida durante o Congresso a difícil situação em que se encontra a Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, Ldª. Já o havia lido no jornal, mas até julgava que a esta altura já existisse forte movimento de indignação pelo possível encerramento desta unidade fabril. Ela é a fiel depositária e herdeira do génio de Raphel Bordallo-Pinheiro, um dos mais geniais criadores portugueses, a quem as artes portuguesas (e não só) devem muitíssimo. Deixar encerrar a fábrica que fundou, a fábrica herdeira dos seus moldes, continuadora da sua obra artística, é algo que Portugal não pode permitir. Não é só o apagamento da memória: é também a morte irreparável de uma técnica que, tendo menor exposição mediática do que outras práticas artísticas, nem por isso deixa de engrandecer o país, de o enriquecer, de o tornar mais belo e mais risonho. O possível encerramento desta fábrica é uma perda irreparável, como se constata pelas fotografias de algumas das peças que fizeram a sua história e, com as quais, aqui ilustro a escritura. Perdê-la só nos cobrirá de, ainda maior, vergonha! E ainda maior tristeza!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Canto Décimo Primeiro

Anteontem primeiro domingo de Novembro
a névoa podia-se cortar à faca.
As árvores brancas
da geada e as estradas e planícies
pareciam cobertas por lençóis. Depois apareceu o sol
enxugando o universo e somente as sombras
permaneceram banhadas.


Pinela, o camponês, atava as cepas
com ervas secas que segurava entre as orelhas.
Enquanto trabalhava falei-lhe da cidade,
da minha vida que passara num relâmpago
do meu terror da morte.


Aí silenciou todos os rumores que fazia com as mãos
e só então se ouviu um pequeno pardal cantando ao longe.
Disse-me: medo porquê? A morte nem sequer é maçadora.
Apenas vem uma vez.

Tonino Guerra

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Um dia vamos


Um dia vamos encontrar-nos no meio do mar,
Náufragos de nós e do tempo,
Pássaros bêbados de tanto azul

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Maquiavel e o cuco

Os vigaristas dos cucos, sim, existem

Eu sou um rapaz do campo. Na verdade, nasci numa cidade mas na altura certa. Quando Luanda tinha um parque natural que a fazia cair para a baía. Terra vermelha, íngreme, com rios de areia branca como a da praia, onde se podia rebolar sem ferir. Ter dez ou doze anos e ser dono desses terrenos (e eu era-o, mais os outros garotos de Luanda) é o que eu percebi mais tarde ser a felicidade. Com pés descalços ou com keds (o nome luandense para ténis), atacávamos (falo do fim dos anos 50) as Barrocas - era esse o nome da minha Terra do Nunca.

Havia muito bicho por lá, até cobras, mas nenhum com o prestígio do cuco.

Mais tarde li uma frase de quem não me lembro, comparando os cucos aos Papas, ou estes àqueles, por muito serem ouvidos e raramente vistos. Comparação mal feita porque nem eu nem rapaz da minha geração alguma vez vimos um cuco. Sim, ele tinha até nome científico,
Centropus superciliosus loandae, os meus colegas chegados há pouco do mato davam-lhe nome em quimbundo, mukuku-atumba, e tudo. Sim, pelos meses de chuva, de Outubro a Março, nas Barrocas era um festival de "popop...", em duas notas, acabado num grasnido "coick...", que nos fazia rir, aos rapazes, porque adivinhávamos manobras entre os cucos, machos e fêmeas. Mas nunca os víamos.

Em adultos. Já os pintos cucos encontrávamo-los nos ninhos das viuvinhas, celestes e rouxinóis dos caniços e outros parvos. O vigarista e ladrão do cuco punha lá os ovos - não sei como, porque ignoro, com olhos de ver, o cuco adulto. Mas os donos do ninho, os que tiveram o trabalho do ninho, passavam também incubar o ovo do cuco. Diziam-me miúdos mais sábios, os do mato, que o cuco, ao pôr o seu ovo no ninho do outro, atirava ao chão um dos ovos do legítimo dono, para que o vigarizado não suspeitasse contando os seus ovos. E julgo ter visto, quando já havia um pinto cuco, a mortandade que era, sob o ninho, de ovos partidos. O que nos fazia suspeitar que o bebé cuco também empurrava os falsos irmãos. As Barrocas eram uma universidade, preparando-nos para a vida.

Só que eu confundo muito o que vivi com o que acabei por inventar - qualquer psicólogo, com esta frase, há-de diagnosticar-me, e bem, uma infância feliz. Ouvi cucos? Vi mesmo as consequências da acção vigarista, ladra e assassina dos cucos?... Esta semana, li que a BBC2 apresentou em Inglaterra um programa narrado por Sir David Attenborough, que já me apresentou dinossauros. Agora, ele fala e mostra cucos. Parece que sim, eles existem. Há imagens de um pobre rouxinol, exausto, a alimentar o paquiderme de um bebé cuco que o dobra em tamanho, alapado no ninho roubado. Eu sei, é violento. Mas o documentário passou-me as mãos pelas penas da minha infância e enterneceu-me.

Ferreira Fernandes, DN

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Ninho

Um dia falei-te da casa que sonhei para nós, a nossa casa.

Tu sorriste, como fazes sempre que algo te magoa e não queres perder muito tempo a pensar nisso.

Falei-te das laranjeiras, daquelas que sonhei ter à volta e do seu perfume a entrar pelas janelas entreabertas nas tardes ensolaradas. Falei-te do tanque com água corrente e das flores nas janelas de guilhotina. Falei-te do cheiro a café fresco, dos livros esquecidos sobre as mesas, dos sorrisos nos retratos de família e das paredes em pedra. Falei-te da lareira e do cobertor no sofá. Falei-te das horas nas galerias, nas feiras e nas oficinas à procura de preciosidades. Falei-te dos fins de tarde no baloiço do alpendre. Falei-te do inventário das estrelas. Falei-te do barulho das beiras nas trepadeiras e das danças à chuva. Falei-te de ti, e dos degraus onde te sentarás apenas a respirar. Falei-te de mim e dos meus braços à tua volta. Falei-te do jasmim, das flores nas jarras e dos bichos. Falei-te do voo das aves e do azul do céu ao anoitecer. Falei-te da velhice, da cumplicidade de uma vida de mãos partilhadas. Falei-te dos gestos, dos silêncios juntos, das almofadas com pássaros azuis e vermelhos pintados. Falei-te do vento nas cortinas, do cheiro a bolo na cozinha, das garrafas alinhadas. Falei-te das botas à porta, da horta e do jardim das ervas. Falei-te das canções e das lágrimas. Falei-te das zangas, dos amuos e de como nunca iremos para a cama zangados.

Tu sorriste, como fazes sempre que algo te magoa e não queres perder muito tempo a pensar nisso.

Um dia falei-te de ti, e de como és a minha casa, o meu sonho, o meu ninho.

Tu sorriste, como fazes sempre que algo te magoa e não queres perder muito tempo a pensar nisso.

sábado, 10 de janeiro de 2009

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Ao que isto chegou!

O nosso "excelente" governo, através das suas "excelentes" cabeças, desencantou mais uma "excelente" medida de combate aos efeitos da menos excelente Crise: obras públicas até 5 milhões de euros podem ser feitas por ajuste directo, ou seja, a partir de agora, autarquias e governos regionais (isto é, tudo instituições que todos conhecemos como beatas cumpridoras da legalidade, sem mácula de corrupção) estão absolutamente sem freio para adjudicar a quem lhes der mais, perdão, a quem for mais capacitado e mais interesse(iro) ao erário e à rés pública, todos os desmandos/fontes luminosas/obras de regime/rotundas cibernéticas/só-o-Diabo-sabe que lhes passem nas vãs e ocas cabeças (perdoem-me o pleonasmo)!...

Acho bem. Sabendo eu o que se passa hoje com os concursos públicos (que só asseguram, na maior parte das vezes, a aparência de legalidade, honestidade, rectidão e justiça dos procedimentos) só posso congratular-me por - finalmente - se pegar o touro de caras. Abaixo as pegas de cernelha! Agora, seremos todos alegremente roubados, alegremente enganados, e alegremente cúmplices do roubo colectivo que se avizinha! Porque quem cala, consente, e cumplicia-se!

E a mim, eu que não acredito em revoluções e até as desprezo, resta-me a esperança de, mais dia, menos noite, aqui cair uma qualquer operação mãos limpas que varra esta bandidagem que se assenhoreou democraticamente do poder (e este democratica_mente dava pano para mangas) para os calabouços de onde nunca deviam ter saído (ou pelo menos, há muito deviam ter conhecido)!

Ou isso, ou o exílio. Tudo será melhor do que ao que isto chegou...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Il faut bien manger*

Já cá canta! E já foi, como deve ser, bem comido, bem devorado. Ah valentes, mas Ah valentes!!! muitas vezes! De D. Maria de Portugal a D. Leonor da Áustria, todo um manancial de qualidades, determinação, inteligência, sacrifício, dádiva, paixão, etc. Eu por mim, encanto-me com D. Joana pela graça de Deus Rainha de Castela, Leão, de Portugal, de Toledo, de Galiza, de Sevilha, de Córdova, de Múrcia, de Jaén, do Algarve, de Algeciras, de Gibraltar, senhora de Biscaia e de Molina, ou seja, aquela que nasceu para mudar a História, da qual acabou por levar uma rasteira, renegada à alcunha de A Beltraneja, e rebaixada ao único título de Excelente Senhora. Como a História seria diferente se esta mulher tivesse conseguido ser tudo aquilo a que se propôs e para o qual nasceu! Como me encantam estas personagens, maiores do que a própria história, que nascem para ser tudo, e acabam não sendo nada - nunca esquecerei a impressão, o arrepio, que ainda hoje me causam os primeiros acordes que acompanham as primeiras imagens de uma certa criança, uma criança especial, logo no início desse meu filme de sempre, O Último Imperador de Bernardo Bertolucci: também aqui um menino (Pu Yi) nasceu para ser o Imperador da Grande Dinastia, Filho do Céu, Senhor de Dez Mil Anos, e acabou jardineiro, exilado na sua própria terra. Impressionante!

E a, também nossa, Excelente Senhora em nada lhe fica atrás. Fascinante! Absolutamente fascinante! Venha o próximo, já tenho saudades!


*Citação parcial do título de uma conversa entre Jean-Luc Nancy e Derrida, «Il faut bien manger» ou le calcul du suject.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Dis, quand reviendras-tu?

Voilà combien de jours, voilà combien de nuits,
Voilà combien de temps que tu es reparti,
Tu m'as dit cette fois, c'est le dernier voyage,
Pour nos cœurs déchirés, c'est le dernier naufrage,
Au printemps, tu verras, je serai de retour,
Le printemps, c'est joli pour se parler d'amour,
Nous irons voir ensemble les jardins refleuris,
Et déambulerons dans les rues de Paris,

Dis, quand reviendras-tu,
Dis, au moins le sais-tu,
Que tout le temps qui passe,
Ne se rattrape guère,
Que tout le temps perdu,
Ne se rattrape plus,

Le printemps s'est enfui depuis longtemps déjà,
Craquent les feuilles mortes, brûlent les feux de bois,
A voir Paris si beau dans cette fin d'automne,
Soudain je m'alanguis, je rêve, je frissonne,
Je tangue, je chavire, et comme la rengaine,
Je vais, je viens, je vire, je me tourne, je me traîne,
Ton image me hante, je te parle tout bas,
Et j'ai le mal d'amour, et j'ai le mal de toi,

Dis, quand reviendras-tu,
Dis, au moins le sais-tu,
Que tout le temps qui passe,
Ne se rattrape guère,
Que tout le temps perdu,
Ne se rattrape plus,

J'ai beau t'aimer encore, j'ai beau t'aimer toujours,
J'ai beau n'aimer que toi, j'ai beau t'aimer d'amour,

Si tu ne comprends pas qu'il te faut revenir,
Je ferai de nous deux mes plus beaux souvenirs,
Je reprendrai la route, le monde m'émerveille,
J'irai me réchauffer à un autre soleil,
Je ne suis pas de celles qui meurent de chagrin,
Je n'ai pas la vertu des femmes de marins,

Dis, quand reviendras-tu,
Dis, au moins le sais-tu,
Que tout le temps qui passe,
Ne se rattrape guère,
Que tout le temps perdu,
Ne se rattrape plus...



terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Clássicos de Natal nº 14

E um doce dia de Reis!

As musas cegas


V

Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira
e a eternidade das mãos.
Esta linguagem é colocada e extrema e cobre, com suas
lâmpadas, todas as coisas.
As coisas que são uma só no plural dos nomes.
- E nós estamos dentro, subtis, e tensos
na música.
Esta linguagem era o disposto verão das musas,
o meu único verão.
A profundidade das águas onde uma mulher
mergulha os dedos, e morre.
Onde ela ressuscita indefinidamente.
- Porque uma mulher toma-me
em suas mãos livres e faz de mim
um dardo que atira. - Sou amado,
multiplicado, difundido. Estou secreto, secreto-
e doado às coisas mínimas.

Na treva de uma carne batida como um búzio
pelas cítaras, sou uma onda.
Escorre minha vida imemorial pelos meandros
cegos. Sou esperado contra essas veias soturnas, no meio
dos ossos quentes. Dizem o meu nome: Torre.
E de repente eu sou uma torre queimada
pelos relâmpagos. Dizem: ele é uma palavra.
E chega o verão, e eu sou exactamente uma Palavra.
- Porque me amam até se despedaçarem todas as portas,
e por detrás de tudo, num lugar muito puro,
todas as coisas se unirem numa espécie de forte silêncio.

Essa mulher cercou-me com as duas mãos.
Vou entrando no seu tempo com essa cor de sangue,
acendo-lhe as falangetas,
faço um ruído tombado na harmonia das vísceras.
Seu rosto indica que vou brilhar perpetuamente.
Sou eterno, amado, análogo.
Destruo as coisas.

Toda a água descendo é fria, fria.
Os veios que escorrem são a imensa lembrança. Os velozes
sóis que se quebram entre os dedos,
as pedras caídas sobre as partes mais trêmulas
da carne,
tudo o que é úmido, e quente, e fecundo,
e terrivelmente belo
- não é nada que se diga com um nome.
Sou eu, uma ardente confusão de estrela e musgo.

E eu, que levo uma cegueira completa e perfeita, acendo
lírio a lírio todo o sangue interior,
e a vida que se toca de uma escoada
recordação.

Toda a juventude é vingativa.
Deita-se, adormece, sonha alto as coisas da loucura.
Um dia acorda com toda a ciência, e canta
ou o mês antigo dos mitos, ou a cor que sobe
pelos frutos,
ou a lenta iluminação da morte como espírito

nas paisagens de uma inspiração.
A mulher pega nessa pedra tão jovem,
e atira-a para o espaço.
Sou amado. - E é uma pedra celeste.

Há gente assim, tão pura. Recolhe-se com a candeia
de uma pessoa. Pensa, esgota-se, nutre-se
desse quente silêncio.
Há gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.
Depois levanta-se com os olhos imensos
e incendeia as casas, grita abertamente as giestas,
aniquila o mundo com o seu silêncio apaixonado.
Amam-me; multiplicam-me.
Só assim eu sou eterno.


Herberto Helder


(in «Ou o Poema Contínuo», Assírio & Alvim, 2004)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Clássicos de Natal nº 13

Intifada

Continua por estes dias a ofensiva israelita por terras de Gaza. Pouco há a dizer sobre um conflito secular, onde tudo já foi dito e redito. Apenas me faz impressão que por cá, pelo Ocidente, tão facilmente se condenem as posições e atitudes israelitas e não se faça o mesmo às palestinianas. Se há coisa que tantos anos de conflito comprovam é que é impossível arrolar grandes superioridades (morais ou outras) a qualquer dos lados do conflito. E não, não ignoro as suas origens remotas (a coisa já na Antiguidade não corria bem naquela zona), as suas origens antigas (as teses do movimento Sionista no final do século XIX e o Nacionalismo árabe), bem como as suas origens recentes (a aprovação durante o mandato britânico da criação do Estado de Israel e a sua configuração, assim como a Guerra dos 6 dias e as suas consequências). Acho que a história - a História - é importantíssima para compreendermos o passado (e com ele aprendermos, para o bem e para o mal), para entender-mos o presente (e nele sabermos escolher os rumos) e para prevermos o futuro (até onde isso é possível, ou seja, na estrita racionalidade de alguns dos actos da vida). Julgo mesmo que, como a recente questão do Kosovo demonstrou cabalmente, pouco o Ocidente aprendeu, não só com a questão do Médio Oriente, como também com esse gigantesco erro chamado descolonização (ou, no caso português, o chamado pega-na-bandeira-e-raspa-te-e-o-resto-que-se-lixe!). Por isso, muito me incomoda assistir diariamente a noticiários em que o lançamento de rockets sobre Israel é menorizado em relação ao ataque israelita à Faixa de Gaza. E poucas são as vozes que põem o dedo na ferida e colocam as cartas na mesa quanto ao que ali, por estes dias, se disputa.

Dessas aqui deixo duas; díspares, mas convergentes numa posição que me parece correcta e justa. Ou seja: o Hamas é uma organização terrorista e, portanto, não pode ser interlocutor para nada. Toda e qualquer negociação com criminosos deste tipo só enfraquecerá a paz a encontrar e a construir! E Israel não pode viver permanentemente sob a ameaça destes fanáticos, não pode viver com medo diário (ninguém consegue!), não pode sequer aceitar a instrumentalização do conflito que mantém por criminosos deste tipo. Quer gostem, quer não, Israel é mil vezes mais democrata do que a maioria dos estados vizinhos que o querem aniquilar da face da Terra, e isso, na minha análise, levar-me-á sempre a, em caso de escolha, caso fosse necessária a minha escolha (e ela contasse para o caso), saber muito bem de que lado estou/estarei/estaria (e eu acredito que, em política, a escolha é sempre necessária, o tomar posição é sempre imperativo, o escolher um lado é sempre o horizonte desejado e desejável). Por isso aqui deixo a ligação a dois textos que ontem saíram no DN: um do meu já tradicional (e sempre adorado!) Alberto Gonçalves nos seus Dias Contados ; o outro é de outro dos meus colunistas de referência, senão O de referência, por em meia dúzia de palavras conseguir, no dito diário e diariamente, dizer mais do que muita gente em quilómetros de tinta – e com que graça, Deus meu, com que Graça! -, a saber, Ferreira Fernandes e o seu Se fosse para acabar com o Hamas seria bom. Leia-se e medite-se sobre as lebres que ambos, chacun à sa manière, levantam e põem a correr na opinião pública lusitana…

domingo, 4 de janeiro de 2009

Clássicos de Natal nº 12

Do ciúme, do lixo e das filias...

Quem me conhece já sabe desta minha filia: não consigo resistir a um bom lixo musical ou (ainda melhor) telelixo. É uma coisa pavloviana, eu sei! As horas que eu passei a ver coisas tão enriquecedoras para a mente humana como o Big Brother, o Masterplan (com as cenas clássicas de Gisela), o Bar da TV (a discussão da alentejana Margarida com a sua mãe e o pai de gravata preta por estar de luto pela filha "galdéria"), ou mais recentemente O Momento da Verdade, são horas de verdadeiro prazer! Gosto imenso de ver até onde o ser humano consegue ir por dinheiro, por fama, por 15 segundos de estrelato… e garanto que, a experiência o diz, o ser humano vai até onde o mandem…e se calhar um bocadinho para além disso!

Depois há aquele maravilhoso grupo de gente que se julga hiper talentosa e que julga igualmente que o resto da humanidade tem de ter o "prazer" de partilhar esses "mui fermosos" atributos. É o caso do Zé Cabra, do Zezé Camarinha (embora esse restrinja a exibição dos seus "tributos" às "camones", F-E-L-I-Z-M-E-N-T-E), das crianças que cantam num programa da TVI, dos actores/estrelas/deixem-me só recuperar o fôlego de tanto rir dos Morangos e Rebeldes que para aí andam.

Destas duas categorias, não sei qual escolher para o caso que aqui apresento. Se é apenas um infeliz que se julga talentoso, ou apenas um infeliz à procura de ganhar a vida nem que seja a levar com uma iguana repelente na careca (outro clássico, este). Descobri-o aqui há uns meses aquando da minha outonal grande constipação (as minhas vêm sempre no Outono e na Primavera, são já de estimação), estando eu mergulhado no sofá a curtir as dores de garganta: sintonizando-me na Roda da Sorte (infelizmente o Herman José nos últimos tempos tem-se aproximado perigosamente das categorias aqui expostas) "apanhei" uma "música" cantada pelo "apresentadeiro" até à exaustão, e que me parecia deliciosa… Rapidamente empreendi uma curta busca, e foi isto que encontrei:



Vou Te Excluir do Meu Orkut

Ewerton Assunção


Sei que as horas vão passando
E eu amando mais você
Dedicando sempre um
Amor sem fim
Bons momentos de paixão
E de felicidade

[ora até aqui tudo bem, não fora a reduzida inspiração do poema]
E eu sempre acreditei
Que o seu amor era verdade...
[começamos a sentir o cheiro da tragédia]


Você sempre jurou a mim
Eterno amor

[nunca ouviste dizer que "quem mais jura mais mente"?!]
Que um dia casaria comigo
E seria feliz

[ah, pois…]
Mas você mentiu
E vi que estava errado

[porque ela mentiu ou pelo choque que se segue?]
Um dia vi você sair
Com ex-namorado...

[para além da sintaxe que nenhum acordo aproxima, foi só isso? Ela saiu "com ex-namorado"? Nem um papanço? Nem um beijo, uma cena de faca e alguidar para dar colorido – bem, e alguma substância, convenhamos! – à cena? Meu menino: isso na minha terra tem outro nome…]

Eu vou te deletar
Te excluir do meu orkut

[ai que medo!!! És mau!!! Para quem não saiba – como era o caso da minha mãe – o Orkut é um site de amizades muito usado no Brasil, semelhante ao Hi5]
Eu vou te bloquear no MSN

[é que um homem destes até dá pena!!!]
Não me mande mais
Scraps, nem e-mails
Power point

[já agora se isso fosse possível para toda a lista de contactos, agradecia-se!]
Me exclua também

[sim, que isto de exclusões se não forem mútuas é um problema…]
E adicione ele...

[ah pois, que eu posso ser corno, ou frouxo, ou parvinho, ou imaginar coisas, mas conheço os velhos ditados – "Rei morto, rei posto!" – e não faltaria agora eu excluir-te, tu retribuíres e não o adicionares no meu lugar… até me sentia pior…ou não…sei lá, que isto de malta com ciúmes parvos tem toda a espécie de manias estranhas…]


Só mais um pedaço para comentar o vídeo: ADORO os chapéus que dão aquele ar de dupla sertaneja caída em desgraça. ADORO o ar pungente com que ele canta! ADORO o toque "vamos mostrar o complexo turístico mais próximo". ADORO o momento intimista do solo da guitarra. ADORO o tom raivoso com que se grita (uppsss, canta) "Power Point". ADORO! É-me impossível resistir a uma pérola destas… não consigo, e sei que no dia do Juízo Final serei chamado à pedra… mas tenho fé no imenso sentido de humor de Deus! No Seu infinito sentido de humor, a julgar pelas manifestações terrenas do mesmo. É ou não é, d-e-l-i-c-i-o-s-o?

P.S. Existem outras versões de vídeos para isto no YouTube, uma das quais é tão didáctica que ensina ao espectador como proceder à sangrenta e tecnológica vingança – vulgo dor de corno – do pobre traído e excluído que o poema nos relata…


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ámen

Neste primeiro dia do Ano da Graça do Senhor de 2009, já quase quase a acabar, apetece-me voar! Apetece-me piscar o olho ao amanhã e sorrir à vida, como há meia dúzia de anos (nada de piaduxas parvas!!!)! Apetece-me olhar o mundo com olhos de menino e deslumbrar-me com a beleza! Apetece-me inventar e sonhar e mergulhar! Apetece-me ter ossos de cristal e não me importar!... Apetece-me rir, e gargalhar, e roncar, e saltar, e pular, e estardalhar (haverá este verbo?)! Apetece-me entrar na dança e deixar-me ir... Apetece-me deixar-me levar! Apetece-me tudo... e pronto!

(e tudo pontuado a reticências e pontos de exclamação!... Ah pois é!!!...)

Como há meia dúzia de anos!...

Clássicos de Natal nº 10